BBC News Brasil Quem assistir “A Substância”, o novo filme de Demi Moore, não o esquecerá. Ambientado em Los Angeles, o filme começa com uma vista aérea da Calçada da Fama de Hollywood, onde uma nova estrela está sendo instalada. Mas com o tempo, aquela estrela que homenageia a atriz Elisabeth Sparkle, personagem interpretada por Moore, racha e é danifica. É pisoteada e ignorada. Um homem passa por ela, deixa cair o hambúrguer e a estrela fica suja de ketchup. A sequência, que dura apenas alguns minutos, define perfeitamente o tom do que virá e expõe os temas que serão abordados: juventude, beleza e pertencimento, e até onde as pessoas são capazes de ir para alcançar o que almejam. Depois, o filme dá uma guinada bastante sombria. Com mais de 50 anos e demitida de um programa de TV devido à baixa audiência, Elisabeth Sparkle faz de tudo para criar uma versão perfeita de si mesma. Um filme feminista sobre discriminação por idade e padrões de beleza não é algo incomum, mas o que torna este tão notável —e, ao mesmo tempo, horrível— é o que Sparkle usa para atingir seus objetivos. A mulher passa por um misterioso processo de clonagem caseira —usando uma droga obtida clandestinamente— que faz com que sua sósia, uma mulher jovem e alegre chamada Sue (interpretada por Margaret Qualley), surja de sua coluna vertebral como um filhote que sai da casca de um ovo. Assim, ela consegue criar uma versão mais jovem e mais bonita de si. No início, viver como seu alter ego garante tudo o que ela sempre quis. Mas não demora muito até que tudo desmorone. E, assim, “A Substância” —dirigido pela roteirista e diretora francesa Coralie Fargeat— torna-se um filme de autêntico horror, perturbador, cheio de sangue e com um tom que causou tanta polêmica quanto despertou elogios. A ATUAÇÃO DE DEMI MOORE Em conversa com a BBC, Demi Moore disse que se sentiu atraída pelo roteiro do filme. “Era completamente único, fora do comum, você percebia que era visualmente estimulante”, disse a atriz. “Ao mesmo tempo, não tínhamos ideia de como terminaria, o que o tornava ainda mais arriscado e saboroso”, acrescentou. O papel exigiu que a atriz de 61 anos aceitasse ser pouco glamorosa, para dizer o mínimo, destacando a beleza decadente de sua personagem envelhecida. “De certa forma, eu senti que queria fazer isso”, refletiu Moore. “Parte do que o tornou interessante foi ir a um lugar tão cru e vulnerável, para realmente me desprender. E foi bastante libertador em muitos aspectos”. Para o crítico de cinema da BBC, Nicholas Barber, “Moore não tem medo de parodiar sua imagem pública em seu melhor papel na tela grande em décadas”. A diretora Coralie Fargeat contou à BBC que o processo de escolha do elenco foi um “grande desafio”, mas que Moore “realmente entendeu o papel”. “Eu sabia desde o início que, com esse tipo de história, escolher uma atriz para abordar esses temas tão intensos, que ressoam tão próximo, seria realmente difícil”, disse ela. Fargeat, que estreou em 2017 com o longa-metragem “Revenge”, disse que estava procurando uma atriz que “representasse a escala do papel que ela queria, alguém que se arriscasse a assumi-lo”. “E quando a ideia de Demi Moore surgiu, eu tinha certeza de que ela não gostaria de fazer isso, achei que seria muito assustador. Quando ouvi que ela reagiu positivamente ao roteiro, pensei: ‘Meu Deus!’. Fiquei muito surpresa”, acrescentou. Margaret Qualley (que interpreta Sue, a dublê de Elisabeth Sparkle) tinha um desafio diferente: personificar alguém que deveria ser a própria perfeição. “Acho que (o filme) me deu uma proximidade comigo mesma que eu realmente valorizo”, disse Qualley à BBC. Para Demi Moore, “Margaret (Qualley) estava em uma situação de maior pressão do que eu, porque ela tinha que ser mais perfeita. Eu me senti muito bem por poder parecer e aparecer um lixo!”. UM FILME QUE É UM ‘TAPA NA CARA’ Se você assistir “A Substância”, provavelmente terá uma sensação de conflito. A primeira hora, mais ou menos, é exatamente o que o cinema deveria ser: ousado, original, cativante. A segunda metade do filme não é necessariamente pior, mas a opinião dependerá de sua tolerância a sangue. A própria Qualley destacou que, numa época em que muitos diretores aclamados estão fazendo “filmes calmos e íntimos”, ela gosta de como ele é “um tapa na cara”. Alguns críticos deram 5 estrelas ao filme, incluindo Tim Robey do Telegraph, que escreveu: “‘A Substância’ é uma maravilha de thriller de terror satírico, às vezes hilário, às vezes comovente e às vezes grotesco”. “‘A Substância’ vai fazer você pensar, falar e se contorcer”, acrescentou Anna Smith, da Rolling Stone. “O horror corporal é levado ao limite, desafiando o espectador a continuar olhando em vez de se esconder, se sentir infeliz ou até mesmo vomitar —todas as reações são perfeitamente possíveis”, disse Smith. Mas o filme não recebeu apenas elogios. Kevin Maher, do jornal Times, chamou o filme de “pueril, inútil e intelectualmente enganoso”, observando que alguns membros do público abandonaram a exibição no Festival de Cinema de Cannes. Para o crítico de cinema da BBC Nicholas Barber, “durante a maior parte de suas duas horas, ‘A Substância’ tem muito estilo, mas não muita substância”. “Por mais divertido e brilhantemente estilizado que seja, A Substância parece um desperdício lento e superficial de uma premissa intrigante”, diz ele. Barber, no entanto, afirma que “a última meia hora delirante faz valer a pena”. “À medida que Elizabeth e Sue começam a ficar nervosas, o filme se torna mais divertido e desagradável até que finalmente floresce em uma película de monstros perturbados, inundada de sangue falso e com esquisitices de terror corporal”, diz ele. PODERIA GANHAR OSCAR? Especialistas em prêmios e reconhecimentos de cinema têm debatido se o filme poderia ter impacto na corrida pelo Oscar. Sem dúvida a qualidade está presente no roteiro, na direção, na maquiagem, nos efeitos especiais, na trilha sonora e na atuação. Muitos acreditam que Demi Moore, em particular, merece algum reconhecimento da Academia, depois de uma longa carreira com créditos cinematográficos. Mas “A Substância” pode parecer exagerado para alguns. Na entrevista à BBC, Demi Moore escolheu suas palavras com cuidado quando questionada sobre possíveis reconhecimentos. “Sempre que você faz algo, você espera que tenha eco e um impacto, e certamente aprecio as coisas que convidam a pensar”, disse ele. O filme foi visto por muitos como um comentário sobre os absurdos padrões de beleza de Hollywood. A diretora, Coralie Fargeat, garantiu que o filme “é sobre como as mulheres são e como tudo o que é projetado sobre elas desde cedo molda seu estado de espírito”. “Do ódio a si mesma e da sensação de que nunca se é boa o suficiente, bonita o suficiente, magra o suficiente, jovem o suficiente. Em cada idade, há algo que pode fazer você sentir que não está bem”, acrescentou. No entanto, Nicholas Barber afirma que haverá pessoas que encontrarão no filme motivos suficientes para valorizá-lo, enquanto outros evitarão vê-lo. Mas, conclui, “ninguém o esquecerá”. *Com informações do repórter de entretenimento da BBC Steven McIntosh e do crítico de cinema Nicholas Barber. *Este texto foi publicado originalmente aqui.
‘A Substância’: o polêmico filme de terror com Demi Moore que satiriza ditadura da beleza
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