Em Araraquara (SP), um grupo de mulheres celebra o Dia das Bruxas, comemorado nesta quinta-feira (31), e ressignifica os saberes ancestrais através de vivências de cura, trabalho artesanal, tecnologia e muita troca de conhecimento no combate ao preconceito. São as bruxas do século 21, que desde 2007 realizam encontros visando o sagrado e a ancestralidade, seja em feiras de artesanato ou em papos nas redes sociais. “Tenho a bruxaria como filosofia de vida há mais de 20 anos. Nós usamos a tecnologia a nosso favor. A internet e rede social ajudam muito nas buscas e conteúdos. Livros em PDF disponibilizados e vídeos no YouTube facilita muito, mas isso vai muito de cada um e o quanto está disposto a aprender, se conectar e estudar acima de tudo”, disse a taróloga e empreendedora Natália Munroe, de 36 anos. LEIA TAMBÉM: Bruxas modernas A taróloga e professora Jenifer Saska, 34 anos, nasceu em uma família de bruxas, médiuns e benzedeiras. Foi questão de tempo para se reconhecer como uma. Para ela, a tecnologia é uma grande aliada hoje em dia para a divulgação da prática. “Atualmente, aparecem cada vez mais pessoas que se apresentam como bruxos, magistas, ocultistas, e acredito que a visibilidade tem a ver com a expansão da tecnologia, as informações são mais acessíveis e as redes sociais acabam sendo importantes na divulgação de práticas, princípios, e até mesmo encontros para os praticantes de bruxaria. Mas na prática, essas pessoas sempre existiram. Ser bruxa no século XXI envolve um esforço consciente para integrar a matéria ao metafísico, sem deixar de lado os ritos e práticas que ouvi e aprendi com pessoas de gerações passada”, contou. Bruxas de Araraquara realizam vivências, leituras de tarot e círculos de cura — Foto: Arquivo pessoal A bruxa Viviane Buranelli Cosenza, 25 anos, é empreendedora, artesã e arquiteta. Para ela, ser bruxa na atualidade é estar sempre em busca de autoconhecimento através da conexão com a natureza e o poder feminino. “Na minha concepção, ser uma bruxa é compreender que a cura para todas as feridas está dentro de nós mesmas e no poder da natureza. Eu acredito que o resgate e conexão com a nossa ancestralidade acontece no momento dos rituais, pois ali estamos depositando nossas energias e preces a partir da nossa intuição e aprendizados de algo que já era realizado muito antigamente”, disse. Rituais Elementos da natureza, como a terra, ervas, pedras, cristais e também os metais, e receptáculos como tecidos e “patuás” (amuletos de proteção feitos geralmente com pedras, folhas ou penas) são alguns dos itens utilizados para fortalecer a intenção desejada nas práticas ritualísticas. “Eu considero ritual ou magia tudo que envolve energia e natureza. Como preparar um banho de ervas, acender uma vela, fazer uma defumação, se reunir com outras mulheres para trocar vivências, fazer uma leitura de cartas, meditar”, complementou Viviane. A artesã Viviane confecciona velas aromáticas e as usa em rituais de bruxaria em Araraquara — Foto: Arquivo pessoal A taróloga Jenifer explicou que há várias vertentes e sistemas na bruxaria, como a Thelema, Goetia e Wicca. Ela é devota da deusa Hécate e um dos rituais que realiza são os Deipnons, que são de purificação e agradecimento. “Existem muitas vertentes dentro da bruxaria e escolher uma é bem difícil, requer muito estudo e prática, é trabalho para uma vida inteira. Me considero sempre aprendiz e os rituais que realizo são mais individuais, normalmente para mim mesma ou pessoas próximas, rituais de proteção, banimento, harmonização, quebra de demandas etc. Eu só não faço rituais de amarração amorosa, não concordo que tentem domar a vontade de outro indivíduo por meio da magia e esses tipos de rituais trazem vários problemas no longo prazo”, comentou. Perfis Cada bruxa tem perfil e atuação. Natália participa de várias feiras de artesanato onde expõe os seus patuás, além de oferecer leituras de tarot nas redes sociais e dicas de proteção. No Instagram , seus stories estão sempre “bombando” com assuntos variados sobre o tema. Já Viviane confecciona velas aromáticas e é presença constante nas feiras também. “Qualquer tipo de trabalho artesanal, na minha concepção, tem uma certa conexão com a bruxaria, pois ao realizar ele você está depositando ali a sua energia, cada trabalho artesanal carrega um pouco da essência do artesão, e pra mim isso é algo mágico. No caso das velas, essa energia ainda se potencializa com o uso da aromaterapia, das ervas e das pedras naturais”, disse. A taróloga Jenifer realiza leituras intuitivas e estuda o Tarot desde os 16 anos. Mas foi aos 33 anos que começou a ler para valer cartas para outras pessoas. “O Tarot é um oráculo, ou seja, ele serve para aconselhar e orientar as pessoas que estejam com dúvidas em relação a algum assunto específico. Seu uso é muito amplo, mas em suma é uma ferramenta de autoconhecimento, orientação e auxilia nas práticas de magia. Ele também pode ser usado em rituais para estabelecer uma conexão com energias específicas, fortalecer a intenção do ritual”, contou. Natália Munroe e Viviane são bruxas de Araraquara e realizam encontros na cidade — Foto: Arquivo pessoal Xô, estigma! As amigas-bruxas comentam que o estigma da bruxa como pessoa má remonta a séculos distantes e crenças maniqueístas, embora filmes ainda possam reforçar esse imaginário. Para combater o preconceito, muito diálogo, esclarecimento e enfrentamento. “Na bruxaria não se acredita no diabo, pois isso é um conceito cristão. Dialogar com as pessoas com certeza faz toda diferença. Levar informações que vão além da ficção ou filmes que estão acostumados a ver. Temos a vassoura sim como instrumento de limpeza e uma poderosa ferramenta ao realizar um ritual, mas não voamos por aí”, disse Natália. Jogo de cintura e conscientização são fundamentais para desmistificar conceitos equivocados e preconceituosos. “Eu acredito que o preconceito nunca vai deixar de existir, porque antigamente a sociedade tinha medo de mulheres livres, independentes e que trabalhavam com o poder da natureza. Quando falamos que somos bruxas, ouvimos comentários do tipo “ai, credo, que horror”, mas não darmos muita importância para essas situações e sempre que for válido e possível tentar conscientizar as pessoas ao nosso redor”, comentou Viviane. Como uma boa bruxa humorada, Natália comentou uma única vez que “jogou feitiço” em alguém. “Consigo reverter em bom humor como quando por exemplo uma senhora falou “credo que horrível, parece uma bruxa” e eu realmente estava de preto e acabei respondendo “cuidado que posso te transformar numa senhora educada, hein?” Até porque transformar em sapo é coisa da Disney”, contou aos risos. Jenifer reforçou o conceito sobre crenças maniqueístas e como isso afeta o entendimento sobre “ser bruxa”, ao dividir as coisas e as pessoas apenas em “boas” ou “ruins”. “A bruxaria não é maniqueísta, pois trabalha com todas as energias, a luz e a sombra, o divino e o submundo, então as pessoas automaticamente associam bruxas a “satanistas”, o que é uma generalização. Existem bruxas satanistas? Sim, mas nem toda bruxa é satanista e nem todo satanista é bruxo. No fim, é tudo uma questão de desinformação das pessoas, ” disse ela. Renascimento mágico Natália enfrentou o bullying na escola e passou por momentos delicados na adolescência. Mas ela contou que a bruxaria foi o que a fortaleceu e a fez renascer nesta fase tão complicada. “Na época do bullying, ajudou a me proteger de tais ataques através de sigilos, amuletos e rituais que eu fazia pra poder frequentar a escola em paz e sem medo. Ser bruxa é a retomada de um poder que nos foi tirado pouco a pouco no decorrer dos tempos, quando vivemos em uma sociedade que nos impõe padrões a todo custo, onde ouvimos que não podemos fazer isto ou aquilo, por exemplo, só pelo fato de ser mulher”, finalizou. Produção para o Dia das Bruxas aquece comércio em Araraquara: Produção para o Dia das Bruxas aquece comércio em Araraquara REVEJA VÍDEOS DA EPTV CENTRAL:
Bruxas do século 21: mulheres resgatam saberes ancestrais e rituais no interior de SP
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