Na última semana de junho, Amaury teve um encontro emocionante enquanto fotografava: capturou o momento exato em que um macho de tangarazinho (Ilicura militaris) regurgitava uma semente de erva-de-passarinho e “colava” num tronco de árvore em Raposos (MG). O registro foi feito durante uma passarinhada com o amigo Washington Natalício, que já conhecia o local, mas queria o auxílio de Amaury para ajudar na identificação das aves que ocorrem por lá. O encontro aconteceu na Trilha do Açude, aberta ao público e bem próxima do centro da cidade. “Desde que me aposentei, tenho me dedicado quase que todos os dias a observação de aves. Recebo visitantes da região metropolitana de Belo Horizonte e também de outros estados do Brasil. O tangarazinho é uma das aves mais requisitadas por aqui e para mim é uma das mais bonitas da nossa avifauna”, diz Amaury. Depois de regurgitar a erva-de-passarinho, o indivíduo de tangarazinho a “colou” num tronco de árvore — Foto: Amaury Pimenta Esta não foi a primeira vez que Amaury registrou um tangarazinho regurgitando semente. Em Nova Lima, onde mora e concentra as observações, já havia visto macho e fêmea com esse comportamento. O biólogo Juan Espanha, da organização Ecoavis (Ecologia e Observação de Aves), explica que o comportamento de regurgitação é comum em várias aves, em especial nos piprídeos, como tangarazinho, tangará, rendeira e soldadinho. De acordo com ele, além dos piprídeos, outras aves pequenas que se alimentam de frutas também costumam regurgitar sementes. A prática também é observada em aves maiores, como em tucanos do gênero Ramphastos, que inclui o tucanuçu, o tucano-de-bico-verde, o tucano-de-bico-preto, entre outros. Antes do registro do macho de tangarazinho, Amaury havia fotografado uma fêmea regurgitando semente em Nova Lima (MG), em 2020 — Foto: Amaury Pimenta “A regurgitação ocorre quando alimentos parcialmente digeridos são expulsos do papo para o bico da ave. Esse é um processo muito importante em diferentes situações, tanto para alimentação da própria ave quanto no cuidado parental de alimentação dos filhotes”, relata ele. Segundo Juan, muitas espécies de aves onívoras e principalmente as frugívoras, tem uma dieta composta por alimentos de difícil digestão, como sementes e insetos. Sendo assim, a regurgitação permite que as aves processem os alimentos parcialmente no papo, de maneira mais eficiente, assegurando que absorvam os nutrientes essenciais para sua sobrevivência sem necessidade de percorrer todo o sistema digestivo. “No caso do tangarazinho, que pode consumir vários frutos pequenos de uma só vez, a digestão é otimizada no papo tendo em vista que esses frutos em geral possuem uma polpa externa pequena e uma grande semente central. Depois de digerir a maior parte do fruto no papo, ele regurgita o restante com a semente e ainda contribui ativamente para a dispersão de sementes”, explica Juan. A regurgitação também serve como um mecanismo defesa, pois é utilizada pelas aves para eliminar alimentos indigestos, como penas e ossos. Um exemplo clássico são as corujas, que formam egagrópilas, conhecidas popularmente como pelotas, para se livrar desses materiais que podem se acumular em seus sistemas digestivos. O tangarazinho se alimenta de frutinhas, que engole inteiras, e pequenos insetos. Aprecia os frutos da magnólia-amarela e o fruto maduro da erva-de-passarinho — Foto: Amaury Pimenta “Especialmente quando ingerem certos frutos e sementes, eles podem ser prejudiciais se passarem por todo o sistema digestivo, mas são inofensivos se forem parcialmente digeridos no papo e depois regurgitados”, ressalta. O biólogo complementa que as aves não regurgitam de maneira consciente e que geralmente fazem isso um pouco distante de onde o alimento foi ingerido. Única espécie do gênero Ilicura O tangarazinho é encontrado em florestas úmidas e capoeiras altas da Mata Atlântica, do sul da Bahia ao sul de Santa Catarina, além de fragmentos remanescentes em Goiás. Vive solitário, alimentando-se em árvores frutíferas e arbustos nas bordas das florestas. O tangarazinho é encontrado em florestas úmidas e capoeiras altas da Mata Atlântica, do sul da Bahia ao sul de Santa Catarina, além de fragmentos remanescentes em Goiás — Foto: Amaury Pimenta A espécies se alimenta de frutas inteiras e pequenos insetos, como os frutos da magnólia-amarela e da erva-de-passarinho. A espécie costuma regurgitar a maioria das sementes grandes que ingere, geralmente digerindo apenas as sementes menores e mais fáceis de processar no sistema digestivo. “Como muitos dos frutos que consome têm sementes grandes, não é raro observá-lo regurgitando, especialmente durante os períodos em que essas plantas frutificam com frutos contendo sementes maiores em comparação ao tamanho do tangarazinho”, explica Juan Espanha. Erva-de-passarinho A erva-de-passarinho é uma planta parasita que pertence a famílias como Loranthaceae e Santalaceae. Existem cerca de 1.300 espécies da planta pelo mundo, sendo mais comuns na América do Norte, especialmente nos Estados Unidos e Canadá. O nome erva-de-passarinho vem da forma como suas sementes são dispersas. Elas são carregadas por pássaros e depositadas nas árvores, onde formam um aglomerado grudento que se endurece em um cimento biológico rígido — Foto: Amaury Pimenta Nesses países, é comum encontrá-la durante as celebrações de Natal, pendurada nos batentes das portas. No Brasil, ocorrem aproximadamente 270 diferentes espécies dessa que é a planta “queridinha” de gaturamos e fim-fins. O nome erva-de-passarinho vem da forma como suas sementes são dispersas. Elas são carregadas por pássaros e depositadas nas árvores, onde formam um aglomerado grudento que se endurece em um cimento biológico rígido. “Algumas frutas têm uma polpa um pouco pegajosa que permanece aderida à semente mesmo após ser digerida no papo das aves, como é o caso da erva-de-passarinho”, explica o biólogo Juan Espanha. Ainda segundo ele, a aderência pegajosa é uma estratégia delas para se fixarem nos galhos das árvores. Com essa estratégia, as plantas têm mais chances de sobreviver, pois conseguem germinar em galhos mais altos, próximos à copa da árvore. As ervas-de-passarinho são hemiparasitas, o que significa que produzem seu próprio alimento através da fotossíntese, mas também absorvem água e nutrientes das plantas hospedeiras — Foto: Amaury Pimenta Quando germinam, as sementes desenvolvem raízes que penetram na casca da árvore hospedeira. As ervas-de-passarinho são hemiparasitas, o que significa que produzem seu próprio alimento através da fotossíntese, mas também absorvem água e nutrientes das plantas hospedeiras. Essa característica de parasitismo deu origem ao nome de uma das espécies mais conhecidas de erva-de-passarinho, o Phoradendron, cujo nome grego significa “ladrão de árvores”. Importância da dispersão de sementes A dispersão de sementes é benéfica para todo o ecossistema e contribui para várias relações ecológicas, sendo vantajosa tanto para a espécie de planta que está sendo dispersada, quanto para a ave e outros animais que podem se alimentar da planta. “A planta se beneficia quando suas sementes são dispersas, pois isso facilita a colonização de novas áreas, promove a mistura de genes através da reprodução cruzada e aumenta o número de indivíduos da espécie, diz Juan. “Por outro lado, as aves e outros animais que se alimentam dessa planta também se beneficiam. Eles têm mais plantas comestíveis à disposição e elas estão melhor distribuídas na área em que vivem, facilitando a busca por comida”, completa. VÍDEOS: Destaques Terra da Gente
Observador flagra ave endêmica da Mata Atlântica regurgitando semente de erva-de-passarinho
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