São Paulo
Em um vídeo no Instagram, Raquel Real dá dicas de como lucrar com investimentos recebendo um salário de R$ 1.500. Em outro, vestindo um paletó, faz sua campanha para deputada dizendo que vai defender os direitos de uma minoria: os bilionários.
Os coaches que se proliferam na internet ensinando a “prosperar” com frases como “trabalhe enquanto eles dormem” são uma das principais fontes de inspiração de Raquel Real para fazer seus esquetes de humor. “Acho fascinante o descolamento da realidade dessas pessoas”, diz a comediante, em entrevista ao F5.
“Acho muito doido a pessoa que é herdeira falar que só é pobre quem quer. Já tirei frases inteiras, tipo copia e cola, e usei para os meus personagens. A pessoa realmente falou aquilo a sério”, diz, rindo, mas em tom de indignação.
Quando se formou em rádio e TV, a comediante paulista de 33 anos não esperava acabar em frente às câmeras. Foi em um de seus primeiros empregos, como produtora na Snack, uma rede de canais de YouTube, que ela teve contato com vídeos de influenciadoras de beleza e transformou em material para suas primeiras paródias.
“Foi a época do ‘boom’ do YouTube. Eu produzia vários canais de blogueiras de maquiagem e achava aquilo cômico, queria zoar”, conta. Nos bastidores, Raquel levava os colegas às gargalhadas imitando o jeito afetado das youtubers. Foi assim que nasceu o canal Raquel Real Oficial.
Hoje, ela também é roteirista do humorístico A Culpa É do Cabral (Comedy Central) e complementa a renda fazendo “publis” nas redes sociais. “Influenciar as pessoas é uma consequência do meu trabalho, sou contra chamar influenciador de profissão”, alerta.
Uma das personagens mais conhecidas de Raquel é inspirada em uma esquete de Rowan Atkinson, o Mr. Bean. Todo final de mês, a Diaba aparece nas timelines de milhares de usuários. Com tiara de chifrinhos e batom vermelho, ela lista quem mereceu ir para o inferno naquele mês: “Fã de participante de reality, dentista que faz rinoplastia, pessoa que paga as compras com pix e deixa os outros esperando na fila, pessoa que usa microfone de lapela como microfone de mão”. Publicitários são figurinha carimbada em quase todos os vídeos.
‘QUER LEITE?’
Com tom irônico, debochado e cheio de posicionamento político, Raquel muitas vezes usa o humor como forma de extravasar sua raiva. “Meus melhores vídeos foram em cima de algo que me deixou puta, que estava me corroendo por dentro”, diz.
Em um desses vídeos, ela faz piada em cima do assédio sexual que sofre nas redes. “Mensagens que eu recebo quando não é dia da mulher”, diz o título do vídeo, que traz um compilado de frases enviadas por homens desconhecidos como: “Quer leite?”, “Ei, vamos transar?” e “Curte avaliar paus pelo direct?”. É nesse nível.
“Existe tanta gente maluca no mundo que eu só posso rir. O que eu vou falar sobre a autoestima do homem hétero? Tem coisa que eu recebo que é surreal”, diz ela. “Às vezes acho que vivo em uma bolha, porque quando aparecem essas pessoas ainda me impressiono.”
“Ser mulher no Brasil por si só é insalubre”, acrescenta Raquel. “Mas fico orgulhosa quando consigo colocar para fora um sentimento e ao mesmo tempo fazer as pessoas darem risada, trazer leveza. A comédia salva a gente todos os dias”, diz.
‘UM GRANDE GLOBO REPÓRTER’
Em um dos vídeos mais famosos de Raquel, a personagem Regininha Lero Lero é vítima da cochileta russa, o ato de cochilar e acordar quatro horas depois. A esquete é feita no estilo reportagem de telejornal, com uma “especialista” explicando os malefícios do hábito. O vídeo foi elogiado por Alexandre Nero. “Meu Deus, o negócio tá ficando muito, muito acima da média”, aclamou o ator.
Já a personagem coach, sempre com seu paletó salmão dando entrevista a um podcast fantasma, foi inspirada em Bettina, a jovem herdeira que “ensinava” os seguidores a ficarem milionários como ela. “Acompanho muitos coaches, sou uma grande admiradora deles como fonte das minhas piadas”, diz Raquel. “Eu acho fascinante, antropológico. Minha vida é um grande Globo Repórter”.