8 coisas sobre a vida de Senna que parecem ficção em série da Netflix mas são verdade (e 2 fatos reais que a série não mostra)

8 coisas sobre a vida de Senna que parecem ficção em série da Netflix mas são verdade (e 2 fatos reais que a série não mostra)

BBC News Brasil A nova série da Netflix “Senna”, com estreia prevista para sexta-feira (29), é uma obra de ficção sobre a vida do piloto brasileiro que mostra diálogos e situações imaginadas pelos roteiristas e criadores. Há momentos íntimos de Ayrton Senna com sua namorada Xuxa, brincadeiras com o amigo Galvão Bueno e a relação do piloto com amigos de infância. Muitos desses momentos são pura ficção. Uma das personagens principais da série — a jornalista britânica Laura Harrison — não existiu de verdade, e funciona na trama como uma espécie de amálgama do que dizia a opinião pública mundial da época. Mas a série também reproduziu muitos dos fatos da vida de Senna com bastante fidelidade à realidade, seguindo depoimentos e registros em vídeo sobre Ayrton Senna. Alguns esses fatos podem até parecer versões exageradas da verdade — mas a própria vida e carreira de Senna é repleta de momentos que por vezes parecem quase inacreditáveis. Senna não foi o maior campeão da história da Fórmula 1, a principal categoria do automobilismo. Com três títulos mundiais, ele está abaixo de pilotos como Michael Schumacher e Lewis Hamilton (sete títulos cada um) e até mesmo de Alain Prost (quatro), seu maior rival nas pistas, retratado na série.Mas sua morte precoce em uma pista de corrida e a quantidade de momentos marcantes de sua vida fizeram de Senna uma lenda do esporte. Trinta anos após sua morte, o piloto brasileiro segue aparecendo em listas de melhores pilotos da história da F1 (por vezes, em primeiro lugar) e é citado como inspiração por gerações de pilotos que sequer eram nascidos quando ele corria. “Seu apelo, o fascínio mundial por ele, reside não apenas no talento surpreendente, mas também na profundidade e na complexidade de sua personalidade. Sim, ele foi um dos maiores pilotos de corrida que o mundo já viu. Talvez o maior. Mas era muito mais do que isso”, escreveu o jornalista Andrew Benson em um artigo sobre os 30 anos da morte de Senna. “Ele tinha um carisma tão convincente que poderia silenciar uma sala. Era magnético de se ouvir. Imensamente inteligente, ele era um filósofo disposto a fornecer uma janela aos perigos de sua profissão, seu próprio senso de mortalidade e como isso o afetava.” Confira abaixo oito episódios da vida do brasileiro mostrados na série Senna que são tão inacreditáveis que parecem ficção — mas que, no entanto, são fatos verídicos. ATENÇÃO: O texto abaixo contém spoilers da série “Senna” da Netflix. 1. O TÍTULO MUNDIAL PERDIDO POR MUDANÇA EM REGRA Uma das principais narrativas da série — e também de outras biografias ou do premiado documentário Senna, de 2010, do diretor Asif Kapadia — é que Ayrton Senna era uma vítima de um sistema que não queria vê-lo campeão por diferentes motivos, como um suposto favoritismo a pilotos europeus por fabricantes de carros também europeus. Senna é mostrado como um piloto que precisava superar seus rivais nas pistas e o favoritismo dado a eles com manobras políticas fora delas. No primeiro episódio, Senna aparece perdendo o campeonato mundial de kart para o holandês Peter Koene — apesar de ambos terem empatado em pontos. Houve controvérsia sobre a regra de desempate: o brasileiro acreditava que o critério era a colocação na bateria final, vencida por Senna. Antes da decisão final ser anunciada, Senna comemorou muito diante dos torcedores no kartódromo de Estoril, em Portugal, que estavam felizes de ver um brasileiro no topo da categoria. Mas a FIA decidiu que o critério de desempate eram as colocações nas semifinais, em que Koene ficou na frente de Senna. A final de 1979 marcou uma das grandes decepções de Senna. E ele nunca conseguiu se sagrar campeão mundial de kart. Um documentário de rádio da BBC em 2014 contou detalhes da vida de Senna na Inglaterra (clique aqui para ler a reportagem). 2. A QUASE APOSENTADORIA PRECOCE A série mostra um dos problemas do começo da carreira de Senna: o apoio limitado da família às suas ambições. Sua família concordou em bancar sua vinda para a Inglaterra para disputar o campeonato da categoria Formula Ford 1600. Em 1981, aos 20 anos, Ayrton se mudou para Norfolk junto com a esposa Lilian, com quem havia recém se casado. A passagem de Senna foi um sucesso: em sua primeira corrida pela equipa Van Diemen, ele chegou em quinto lugar. Duas semanas depois, ele vencia sua primeira corrida. Ele venceu 12 das 19 corridas do ano e se sagrou campeão em sua estreia. Senna começou a despertar a atenção de grandes equipes que o contratariam no futuro. E começou a ter rivalidades ferozes com colegas de equipe. Em uma corrida no circuito inglês de Mallory Park, o argentino Enrique Mansilla — seu companheiro de equipe na Van Diemen — bateu seu carro em Senna, jogando o brasileiro para fora da pista. Mansilla alegou que ele próprio fora vítima de manobras semelhantes de Senna em corridas anteriores. O brasileiro não gostou e foi tirar satisfações. Uma foto da época mostra Senna segurando Mansilla pelo pescoço. Ao final da temporada bem-sucedida, Senna surpreendeu a todos anunciando sua aposentadoria das pistas. Sua esposa Lilian não estava se adaptando à vida na Inglaterra. E sua combinação com seus pais é que ele voltaria ao Brasil para trabalhar nos negócios da família. Senna voltou à Europa no ano seguinte, desta vez totalmente focado a realizar seu sonho de correr na Fórmula 1. Em 1982, Senna foi campeão europeu e britânico de Fórmula Ford 2000. E no ano seguinte, foi campeão da Fórmula 3 na Inglaterra. O ano foi marcado por uma rivalidade intensa com o inglês Martin Brundle, que hoje é comentarista de F1 na TV britânica. Senna começou a temporada de 1983 com nove vitórias consecutivas mas viu Brundle encostar ao longo do ano. O título foi decidido na corrida final, no circuito de Thruxton. E Senna usou uma tática inusitada para vencer a disputa. Sua equipe colocou fitas adesivas na entrada de ar do radiador do carro, com o objetivo de fazer o óleo se aquecer mais rapidamente, atingindo um ponto ótimo logo na primeira volta, em vez de em sete ou oito voltas. Mas na sexta volta, o carro estava superaquecido. Senna afroxou seu cinto de segurança para conseguir arrancar com a mão as fitas adesivas. Senna contava que havia praticado por semanas, mas que na hora da corrida executou a manobra durante uma chicana da pista, um dos pontos mais arriscados. A manobra deu certo e Senna ganhou a corrida e o campeonato. Sua temporada na Fórmula 3 contribuiu para a lenda que vinha se formando em torno dele. Ele bateu o recorde de vitórias da categoria — 12 em 20 corridas — e recebeu convites para testar carros da Toleman, McLaren, Brabham e Williams na Fórmula 1, que era seu grande objetivo. 4. A ‘QUASE VITÓRIA’ NA CHUVA EM MÔNACO Em 1984, Senna conseguiu chegar à Fórmula 1. Mas não foi dirigindo um dos carros de ponta — ele não conseguiu vaga em nenhuma equipe de ponta. Sua estreia foi na Toleman, uma pequena equipe com resultados inexpressivos até então. Em sua estreia na categoria, no Grande Prêmio do Brasil em Jacarepaguá, Senna abandonou a prova na oitava volta, após uma falha no motor. Mas na sexta etapa da temporada, o Grande Prêmio de Mônaco, Senna teve uma de suas corridas lendárias, que ajudou a estabelecer duas reputações que ele levou para a vida: o “rei da chuva” e o “rei de Mônaco”. A largada foi adiada por 45 minutos devido a fortes chuvas. O túnel de Mônaco precisou ser molhado com ajuda de um caminhão de bombeiros, já que estava cheio de óleo de batidas anteriores. A corrida foi marcada por acidentes em meio à forte chuva. Senna largou com sua Toleman em 13º e ultrapassou diversos carros ao longo da corrida, incluindo as Ferraris de René Arnoux e Michele Alboreto. A corrida era liderada por Alain Prost, com sua McLaren. A cada volta, Senna encurtava a distância para líder. O GP deveria ter 76 voltas, mas na volta 29 Prost começou a sinalizar pedindo o fim da corrida, devido à forte chuva. Na 32ª volta, a corrida foi finalmente interrompida com uma bandeira vermelha. Pouco antes da linha de chegada, Prost parou sua McLaren ao ver o aceno do diretor da prova interrompendo a corrida. Na sequência, Senna ultrapassou o carro de Prost e foi o primeiro a cruzar a linha de chegada — mas o francês foi declarado vitorioso, já que as regras estipulavam que quem estava na frente na volta anterior ao fim seria o vencedor. A decisão foi considerada polêmica. Muitos jornalistas disseram que Senna foi o verdadeiro vencedor da prova e criticaram a interrupção da corrida. Com um carro pouco competitivo, Senna cravou a volta mais rápida da corrida e esteve muito perto de vencer sua primeira prova. A primeira vitória de Senna só viria no ano seguinte, no Grande Prêmio de Estoril, quando Senna já estava correndo pela Lotus. Novamente, o brasileiro mostraria sua grande habilidade em correr em pista molhada superando adversários em carros considerados superiores. 5. A INACREDITÁVEL BATIDA SOZINHO EM MÔNACO O “rei de Mônaco” havia vencido a prova de 1987 com a Lotus. E ainda venceria em Mônaco por cinco vezes consecutivas, entre 1989 e 1993. Com isso, Senna desbancou o britânico bicampeão mundial Graham Hill, que com cinco vitórias no principado, ostentava o apelido de “mister Mônaco”. Mas em 1988, pilotando a McLaren, Senna teve um de seus grandes fracassos em Mônaco — uma história que também virou uma lenda na Fórmula 1. No sábado, durante a classificação, Senna conseguiu a pole position. Sua volta foi 1,5 segundo mais rápida que seu principal rival, o colega de equipe Alain Prost. A diferença, considerada enorme para os padrões da pista, espantou a todos. No dia da corrida, Senna disparou na frente de todos. Ele chegou a estar 55 segundos na frente de Prost, em um circuito em que a volta dura cerca de 1 minuto e 30 segundos. Parecia uma vitória fácil, mas Senna seguia cravando voltas mais rápidas. Até que na volta 67, ele bateu sozinho na entrada do túnel de Mônaco. A batida foi provocada por um erro do próprio Senna. O brasileiro saiu do carro e foi direto para seu apartamento, a poucos metros dali, sem falar com ninguém da equipe, e por lá ficou até a noite, sem atender os insistentes telefonemas de amigos e colegas da Mclaren. A corrida entrou para história como o exemplo da obsessão de Senna de andar sempre mais rápido, mesmo quando a vitória já estava assegurada. Alain Prost, seu colega de McLaren, acabou vencendo a corrida. Apesar da experiência negativa em Mônaco, 1988 foi um ano bom para Senna. Ele conquistou a pole em 13 das 16 corridas do ano, venceu oito delas e conquistou seu primeiro título mundial na Fórmula 1 — que era seu grande sonho. 6. A DESCLASSIFICAÇÃO NO JAPÃO QUE CUSTOU UM TÍTULO A penúltima corrida da temporada de 1989 é uma das mais famosas e polêmicas da história da Fórmula 1. E marcou a carreira de Ayrton Senna para sempre. Para seguir tendo chances de desafiar Prost na briga pelo título mundial, Senna precisava vencer o Grande Prêmio do Japão, disputado no circuito de Suzuka. Prost liderava a corrida, sendo perseguido implacavelmente por Senna. Na volta 47, Senna tentou ultrapassar Prost na apertada entrada da última chicana, mas nenhum dos dois pilotos cedeu espaço e eles bateram. Prost deixou seu carro, acreditando que o acidente garantia a ele o título mundial. Mas Senna gesticulou para os auxiliares da pista para que empurassem seu carro, e conseguiu retornar à corrida. Senna voltou aos boxes para trocar o bico do carro e retornou à pista. Nas duas voltas finais da pista, Senna ultrapassou o líder Alessandro Nanini e ganhou a corrida. Mas não levou. Senna foi desclassificado por ter “cortado a chicane” após o acidente com Prost. Senna não voltou à pista do ponto onde havia acontecido o acidente, mas sim após a curva. Senna acusou o presidente da federação de automobilismo, o francês Jean-Marie Balestre, de tentar beneficiar seu conterrâneo, Alain Prost. Senna recebeu ainda uma multa de US$ 100 mil e foi proibido de correr por seis meses (uma decisão que acabou suspensa). 7. A BATIDA EM PROST QUE RENDEU UM TÍTULO — E A AJUDA DE PIQUET No ano seguinte, o campeonato mundial voltou a ser decidido no Grande Prêmio do Japão de 1990 entre Senna e Prost, que agora pilotava uma Ferrari. Desta vez, Senna chegou à corrida em vantagem — caso Prost não pontuasse, o brasileiro se sagraria campeão. Dias antes da prova, Senna solicitou à direção de prova que a posição de largada do pole position fosse mudada na pista. Em corridas passadas, o piloto sempre largava do lado “limpo” — onde o asfalto tem mais aderência. Mas em alguns circuitos em 1990, incluindo Tóquio, o pole largava do lado sujo. Senna — que tinha histórico de conseguir mais poles na F1 — argumentava que isso prejudicava quem largava em primeiro. A direção da prova chegou a aprovar a mudança, mas ela foi revertida a pedido de Balestre. O assunto foi discutido em uma reunião de pilotos com Balestre que foi recriada pela série Senna. Na reunião, o brasileiro Nelson Piquet (que corria pela Benneton naquele ano) defende a posição de Ayrton e acusa a direção do automobilismo de ter cometido um erro crasso contra Senna em 1989. Logo na primeira curva, Senna e Prost colidiram — o que garantiu ao brasileiro o título mundial. Senna foi duramente criticado e anos depois admitiu ter colidido de propósito, como reparação pelo que ocorrera no ano anterior. “O que ele fez é nojento”, disse Prost depois da corrida. “Eu não estou pronto para lutar contra pessoas irresponsáveis que não têm medo de morrer.” Já Senna disse: “Não dou a mínima para o que ele diz. Ele tentou me destruir, mas não vai conseguir.” Em 1991, Senna já era bicampeão mundial e um ídolo no Brasil. Mas nunca havia vencido o Grande Prêmio em seu país. No circuito de Interlagos Senna largou na pole e conseguiu uma boa vantagem em relação ao segundo colocado, Nigel Mansell, da Williams. Mas logo o inglês passou a tirar a diferença. A ultrapassagem sobre Senna parecia inevitável, quando o carro de Mansell quebrou na volta 61 — a dez voltas do final. A ameaça então passou a ser o companheiro de Mansell, Ricardo Patrese. Para piorar a situação, Senna viu as marchas de seu carro pararem de funcionar. Ao final da prova, o brasileiro tinha apenas a sexta marcha de seu carro funcionando. As voltas finais foram desgastantes para Senna, que sofreu com espamos musculares por conta do esforço de dirigir o carro com as marchas quebradas. Ele terminou a prova apenas 3 segundos na frente de Patrese e foi ovacionado pela torcida brasileira. As imagens de Senna com dificuldades no pódio de Interlagos para levantar o troféu também estão entre as mais lendárias da carreira do piloto. E DOIS FATOS INACREDITÁVEIS QUE A SÉRIE NÃO MOSTRA Além dos fatos citados acima, há dois episódios da vida de Senna que também parecem inacreditáveis, e que no entanto são verdade. Mas que não aparecem na série da Netflix sobre o piloto. O primeiro deles foi uma paralisia no rosto que acometeu Ayrton e que ameaçou sua carreira. Senna estava no processo de trocar a Toleman pela Lotus na Fórmula 1. Nos últimos meses de 1984, o lado direito de seu rosto parou de se mexer. Senna foi diagnostigado com mastoidite, que é uma infecção de um nervo atrás da orelha que envia comandos ao cérebro sobre movimentos faciais. Senna usou cortisona, mas pediu para mudar o tratamento, preocupado com possíveis efeitos de longo prazo na medicação. Mas ele precisou retomar a medicação, já que não encontrava soluções para o problema. Ao longo de 1985 o problema foi diminuindo e ele pode seguir sua carreira sem traumas. Algumas entrevistas de Senna na época mostram o piloto com o lado direito do rosto paralisado. Outro fato que ficou de fora da série é o Grande Prêmio da Europa de 1993, disputado no circuito inglês de Donington Park. Nessa corrida, Senna conseguiu o que muitos comentaristas chamam até hoje de a “volta mais perfeita da Fórmula 1”. Em uma pista encharcada por chuva forte Senna largou em quarto lugar, mas perdeu uma posição logo na largada. Mas ainda na primeira volta da prova, ele conseguiu passar quatro carros — de Michael Schumacher, Karl Wendlinger, Damon Hill e Alain Prost — assumindo a liderança da prova. Senna ainda usou uma “malandragem” nessa prova que também ficou lendária entre pilotos. Ele acreditava que seria possível fazer a volta mais rápida da pista cortando caminho pelos boxes. Na época, não havia limite de velocidade para quem passasse pelos boxes. Senna mentiu que estava com problemas no rádio de comunicação com a equipe e passou pelos boxes, encurtando sua volta em 200 metros e estabelecendo o recorde da pista. Mas o fato mais famoso que marcou a corrida em Donington Park, em 1993, foi a primeira volta, que alguns comentaristas apelidaram de “A Volta dos Deuses”, que consolidou de uma vez por todas 7o reconhecimento mundial da exímia habilidade de Senna em pilotar em pista molhada. Este texto foi originalmente publicado aqui.

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